Esse hábito de rolar as telas e trabalhar em excesso não pode nos fazer perder a vida
Abadogu - Gustave Rosa
Esses dias precisei dar uma saidinha de casa, estava passando de carro na beira-mar de Olinda. Eis que uma cena me chamou atenção: um rapaz correndo em direção ao mar, bem naquela vibe surfista que quer ganhar da física da força das ondas, adentrando com maestria e intimidade na água. Fiquei morrendo de inveja.
Há tempos escrevi algo parecido, meus sintomas são semelhantes e tudo culpa de minhas obsessões. Falei da inveja de um grupo de natação que atravessa da praia do quartel em direção a ilha da amizade todos os dias por volta das 5h da manhã. Muitas vezes, os observo ainda trabalhando. Acontecia, com frequência, quando estava terminando a tese. Essas duas cenas me dão a mesma sensação: tenho uma vida muito diferente dessas pessoas. E falo isso do alto dos meus alguns privilégios, não tenho dúvidas.
Mas, para além dos privilégios, fico me questionando: quanto a gente tem se permitido descansar? Quanto a gente tem usado o sal do mar para curar? Afinal, nada mais revigorante que um bom banho de mar. E quanto do nosso tempo de descanso temos usado só para rolar telas infinitamente sem parar? Será que não conseguimos fazer uma melhor gestão do tempo? Diminuindo a frequência de telas e pausando um pouco nem que seja para admirar a beleza do horizonte? As nuvens do céu? Ou qualquer outra coisa que soe mais poética.
Outro dia estava comentando com amigas: esse negócio de viver a 200 por hora vicia. Somos todas viciadas. Ou estamos mergulhadas no estímulo que o trabalho provoca ou no buzz de informação geradas pelas redes sociais. E também no excesso de dopamina das festas e farras intermináveis. Várias vezes me pego entre amigos - momentos extremamente necessários e relaxante para mim - rolando a porra da tela do celular. Por mais que exista uma conversa interessante, o natural, o humano, parece não ser mais tão suficiente. Queremos mais. Sempre e sempre mais. Estamos todos meio viciados em hiper estímulos.
O rapaz que corria em direção ao mar parecia estar de boa com aquele momento. Talvez minha inveja nem seja do banho de mar em si. Talvez seja desse sentimento que dificilmente consigo ter. Parar de trabalhar, de me hiper estimular. De achar o simples suficiente. A vida a 200 por hora é uma grande cocaína para mim. E olhe: tenho até tido um pouco mais de consciência. Com alguma clareza, tenho dito alguns nãos. A maior parte deles para mim mesma. Estou sempre inventando uma coisa nova, um trabalho novo, uma criação nova, um rolê novo, uma paixão nova. Pare, apenas pare. Contemple a beleza do horizonte. O tempo e as pessoas são finitas. Não há botox que previna o fim.
Outro dia estava sonhando com os seguintes momentos: poder ter com frequência jantares românticos, com vinho, comida gostosa e desconexão total. Olho no olho, conversa boa e nada de celular. Já pensei também em fazer um rehab de silêncio, mas tenho medo de ser pior. Parada minha cabeça roda. Conectada com outro, costumo desacelerar.
Imagino que nem todo mundo seja assim meio maluco. Algumas pessoas, como o grupo de natação e o rapaz que correu em direção ao mar, devem ser mais good vibes. Tenho pensando também: além das necessidades materiais, estamos trabalhando a 200 por hora por conta de toda essa nova lógica da revolução tecnológica e da informação. Estamos de fato meio viciados em excesso. Com dificuldade de parar. Antes não era assim. Lembro do meu pai, uma vez, pegar eu e minha irmã no meio da manhã na escola e nos levar para a praia. Já tinha biquínis e boias nos esperando dentro do carro. Ele sabia que iria morrer e o que valia a pena. Nesse dia, tomamos bastante banho de mar.
Fim de ano é bom para pensar um pouco, né? Para recalcular rotas. De um tempo para cá, até tenho ido tomar um banho de mar, assim, meio despretensiosamente durante a semana. Esse ano devo ter feito isso, sei lá, umas cinco vezes. É bem pouco, eu sei. Porém, o ano foi volumoso. E o pior: minha culpa de parar só cresceu. Vai ver que é por isso que ando tão exausta, dormindo sentada nos rolês. Meta para o próximo ano: parar e tomar mais banho de mar. E a sua, qual é?