Ando me sentido uma velha: só quero amar e aproveitar a vida

Carnaval - Di Cavalcanti

Ainda criança, achava estranho quando minhas avós chamavam todos de amor, querida e querido. Aos 36, já cheguei nesse lugar. Apesar dos meus ódios de lua em áries, tenho perdoado e amado mais. Tenho voltado atrás de alguns adeus ditos; alguns só para mim mesma. Quero estar do lado de quem tenho afeto. Apesar de estar sempre aberta, não me interessam tanto as novidades. Gosto do que já reverbera. E os últimos anos foram difíceis demais. Me importa muito mais cultivar quem está do lado.

Em minha vida, em dado momento, encasquetei que tinha que aprender a ser só. Fiz por anos esse percurso. Mesmo quando estive em algumas relações afetivas. Morei sozinha em outro país, em outra cidade. No fim, só precisava me sentir confortável dirigindo sozinha de madrugada. Foi esse o gatilho inicial após um fim. Construí muitas coisas. Segui muitas das minhas vontades. Outras, infelizmente (ou felizmente já que todos os caminhos nos levam a Roma), não tive maturidade para encarar. Hoje estou mais para o foda-se, quero mesmo é ficar perto. Não quero sair de junto da minha família, dos meus amigos, de quem amo.

O amor não é linear, tenho percebido. Mas, quando saudável, é perene. É forte, livre e muito distante das milhões de expectativas postas. Não somos príncipes, princesas, somos todos seres cheios de contradições, qualidades e defeitos. Permeados de crenças equivocadas incutidas no mais profundo do nosso subconsciente. Essas crenças nos levam para lugares, por vezes, terríveis. Se desfazer delas, trabalhar em nossos traumas, me parece ter a função de nos deixar livres para aproveitar a vida e amar. Mas como e quando conseguimos experimentar essa liberdade? Já achei que liberdade era outra coisa. Hoje sei que liberdade nada mais é do que se fazer o que se tem vontade.

Essa consciência não surge, para muitas de nós, sem ser preciso atravessar desertos. Percorri algumas florestas escuras e montanhas de areia sob o sol escaldante. Agora quero oásis. Aproveitar a vida, a ludicidade e beijos molhados do carnaval. Quero abraços e olhares de afeto. Comunhão. Zero solidão. E juro, não é por carência. É minha mais honesta vontade. Quero passar o dia rindo de piadas bobas, quero segurar na mão. Quero um bom banho de mar. Dias tranquilos, bem vividos. A gente se deparou com a morte. A gente se depara com ela todos os dias. É preciso viver. Estar vivo.

Todos temos nossa jornada. Nossa (in)consciente trajetória para nos livrar do medo, do ego, do controle e nos tornarmos livres de verdade. Mas quanto tempo levamos até aprender? E quanto não nos dedicamos às nossas dores e continuamos enfiados na lama ou andando em círculos no deserto sem encontrar o oásis? Me entristece ver quem amo parado. Todos temos nosso tempo, eu sei. É o que me consola. Porém, não custa nada uma chacoalhada.

Acordar, trabalhar bastante, não ser suficientemente recompensado é exaustivo. Quase não sobra energia para se transformar. E quando só falta coragem? A ideia de encontrar paz e felicidade pode ser angustiante. Tememos algo bom por medo. Aquele papo manjado da zona de conforto. A dor nos é mais familiar. Ou, simplesmente, achamos que não merecemos. Aquele papo das nossas crenças cagadas. No meu caso, tenho tido pressa, impaciência. O que preciso fazer? Fico fazendo piada com minha terapeuta, batendo o dedo indicador em cima do pulso esquerdo. Quero resolver logo.

Quando voltei do Rio de Janeiro, da minha casa que pintei parede, pendurei quadros, para vir morar com minha mãe por conta da pandemia - não estava suportando ficar sozinha lá - meio sem saber o porquê acabei relendo o Alquimista de Paulo Coelho. Acho meio cult/babaquinha odiá-lo. Não sou profunda conhecedora de suas obras, mas amo sua trajetória e como sua escrita se conecta a tantas almas. O alquimista tem uma lição bonita. Há spoilers nas próximas linhas, caso isso te incomode.

O tesouro, muitas vezes, está em nosso quintal. Ampliaria dizendo: o tesouro está dentro de nós, escondido sob a montanha das nossas vontades. No entanto, para encontrá-lo é preciso fazer muitos caminhos, atravessar fronteiras, desertos, viver situações limites. Até que podia ser mais fácil. Só que estamos falando de um tesouro. Você tem procurado? Foi minha vontade de aprender a ser livre que me fez percorrer tantas estradas e voltar para casa. Foi esse desejo junto com minhas indignações que me fizeram fazer o trabalho que faço. Acredito que para amarmos de verdade (e de várias formas) precisamos nos livrar das dependências. Precisamos de liberdade, autonomia. 

Inclusive, nesses últimos tempos tenho recebido de vocês muito amor e muitos abraços. Obrigada! Além de todos os depoimentos sempre emocionantes, tenho encontrado muitas de vocês nas cidades que percorri nos últimos meses buscando aproveitar. De início, fiquei um pouco assustada em ser reconhecida. Mas, muito mais que isso, tenho estado profundamente feliz com mais essa troca e muito grata. Meu tesouro encontrado tem sido compartilhado. Deve ser um pouco por isso que tenho me sentido mais livre para amar e aproveitar. No fim, estava cansada de percorrer tantas estradas.


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